Conteúdo principal Menu principal Rodapé

Professora desenvolve método de ensino de projeto arquitetônico que evidencia importância da circulação

Para Ana Tagliari, o prédio do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp é um exemplo de projeto em que a circulação foi levada em conta
Para Ana Tagliari, o prédio do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp é
um exemplo de projeto em que a circulação foi levada em conta

Ao constatar a dificuldade dos estudantes para criar sistemas de circulação bem resolvidos, Ana Tagliari, pro- fessora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau) da Unicamp, desenvolveu uma nova metodologia de ensino sobre o processo de concepção de um projeto arquitetônico. Com um enfoque original, seu trabalho descreve os espaços de circulação como responsáveis por estruturar edifícios, articulando a conexão entre os espaços de transição e permanência e promovendo a organização perceptiva e sensorial de todos esses espaços. A pesquisa que deu origem ao assim batizado Método da Circulação resultou, ainda, na sua tese de livre-docência, defendida na Fecfau.

Financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a tese consolida a pesquisa empreendida por Tagliari por mais de uma década. Logo após ingressar na docência, em 2008, a professora notou que, ao idealizarem seus projetos de arquitetura, os estudantes comumente subestimavam o papel da circulação. Observou, ainda, que as dúvidas deles sobre a questão – além de recorrentes – resultavam da forma como o assunto costumava ser abordado nas salas de aula. Isto é, embora aprendessem a definir com precisão cada ambiente de um edifício (e também suas funções), a circulação era algo apresentado de forma vaga, como porcentagem. “Enquanto conseguem visualizar a metragem da sala ou da cozinha, eles não são capazes de compreender a importância da circulação, que se torna um problema maldefinido. Isso acaba se refletindo no trabalho deles. Então, apesar de ser uma questão central, como uma espinha dorsal, a circulação costuma ser tratada por eles como o espaço que sobra”, conclui.

A principal finalidade do Método da Circulação, enfatiza a docente, consiste em fornecer subsídios para capacitar estudantes a desenvolver projetos com mais confiança, tornando-os, dessa forma, mais seguros para tomar decisões. Trata-se de um guia organizado em etapas que evidenciam a importância de aprofundar atividades como visitas técnicas exploratórias, análise de projetos com valor arquitetônico, estudo de plantas e prática de desenho manual.

O ensino do desenvolvimento do sistema de circulação deve ser iniciado, orienta a professora, a partir do momento em que o aluno consegue traduzir o programa de necessidades em ambientes e deve ser aprofundado com o estudo de fluxos – atividade que envolve a observação do terreno. Trabalha, também, questões como o movimento e a integração. Completas as etapas iniciais, aborda-se na sequência o planejamento da setorização de ambientes – envolvendo, pontua Tagliari, a realização de desenhos à mão. “O processo de realizar o contato entre o que se está pensando, vendo e desenhando é fundamental para quem cursa arquitetura, pois há um maior envolvimento. Ao desenhar, os estudantes vão soltando a mão e descobrem coisas que não teriam notado se estivessem apenas observando a tela do computador”, esclarece. No fim desse processo, a configuração da forma do edifício vai se apresentando.

Ao aplicar o método em sala de aula, a professora percebeu que os estudantes conseguiram visualizar a movimentação das pessoas e sua permanência nos espaços de maneira mais clara, chegando a soluções mais eficazes. “Quando não se planeja a circulação, o resultado parece uma colcha de retalhos, pois os ambientes ficam desarticulados. Já ao fazer o projeto com mais embasamento, os espaços ficam mais bem resolvidos. É possível pensar em soluções integradas”, justifica. “A circulação é o que direciona o nosso olhar para uma paisagem ou para uma parede, para algum ponto interessante de se apreciar. Ela vai mexendo com a nossa percepção. É importante pensar em criar algo onde as pessoas vão ter uma experiência agradável, para que o resultado não seja só uma construção, mas tenha arquitetura”, conclui.

Apanhado histórico

Na primeira fase da pesquisa que resultou na criação de sua metodologia, Tagliari selecionou edifícios (casas, museus, escolas, bibliotecas) de diferentes arquitetos, conhecidos pela excelência de seus projetos, para realizar um estudo focado no entendimento do sistema de circulação como um todo e dos seus elementos – escadas, pátios, corredores, elevadores –, identificando as soluções encontradas por seus autores.

A partir desse trabalho, para o qual realizou um resgate histórico do tema da circulação na arquitetura – contemplando os períodos clássico, moderno, pós-moderno e contemporâneo –, a professora analisou as transformações encontradas. Sua pesquisa revelou a ligação existente entre as soluções específicas de cada período com conceitos, técnicas e materiais disponíveis então. Assim, a linguagem clássica – que se estendeu até o fim do século 19 – não apenas priorizou as formas mas também se viu moldada por limitações estruturais. O resultado, diz a docente, são edifícios fragmentados, baseados em eixos. “A técnica construtiva era mais restritiva, não era possível haver grandes vãos.”

Com a industrialização e a chegada do concreto armado, na primeira metade do século 20, o modernismo disseminou-se. “Foi quando surgiu a ideia de liberdade de criação dos espaços e formas. O que acontece dentro dele é o que vai dar sua forma por fora. Também deixou de haver aquela compartimentação, que era consequência de uma limitação estrutural do período anterior. Na arquitetura clássica, era o contrário. Primeiro se planejava a forma. Depois, os espaços internos”, compara a especialista, que vê no prédio do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp, um exemplo de projeto que levou em conta a circulação. “Você entra no edifício e tem a compreensão do todo, vê a escada, vê as pessoas, tem a ideia de movimento.”

A trajetória que culminou na elaboração do Método da Circulação rendeu outros resultados, revela a pesquisadora. Além de produzir um trabalho sobre o tema na história da arquitetura, Tagliari realizou uma análise sobre autores que avaliam, por meio de desenhos, os projetos arquitetônicos. Por fim, a pesquisa deu origem ao livro Circulação, Percurso e Movimento. Arquitetura e Cidade, escrito a quatro mãos com o professor Wilson Florio e lançado pela editora Annablume.

Ir para o topo