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Avaliação global aponta que alterações climáticas têm causado a extinção de espécies em todo o mundo

As alterações climáticas despontam como fator que mais avança entre as causas da queda e extinção de anfíbios no mundo, afetando um grande número de espécies. Lançada neste mês, a segunda avaliação global de anfíbios revela que secas e temporais mais intensos e prolongados, oscilações climáticas mais frequentes e recordes sucessivos de temperaturas também potencializam a gravidade de doenças que dizimam populações de anuros, salamandras e cecílias. O relatório reúne dados pesquisados por mais de mil cientistas, entre 2004 e 2022, e sinaliza a piora da situação vivida pela classe de animais vertebrados mais ameaçada do planeta, além de destacar o crescimento das espécies em risco no mundo todo. Aponta, ainda, o Brasil, que possui a maior diversidade de anfíbios do planeta, como o país onde as populações caíram de forma mais acentuada. Os dados da avaliação foram publicados pela revista Nature.

Liderado pela organização Re:wild (sediada nos Estados Unidos) e coordenado pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), o estudo evidencia o agravamento do declínio dos anfíbios no mundo. Em 1980, quando foi iniciado o primeiro trabalho do gênero, 37,9% das espécies estavam ameaçadas. Atualmente, são 40,7%. Segundo o biólogo Felipe Toledo, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, a avaliação global indica a escalada de todos os níveis de ameaça de extinção. “O que temos percebido é que, quando classificamos uma espécie como criticamente ameaçada, provavelmente extinta, depois de um período sua extinção é confirmada”, conclui o docente, que assina o relatório com outros 122 especialistas — oito deles brasileiros.

O levantamento apresenta um diagnóstico detalhado sobre 94% dos 8.600 anfíbios conhecidos atualmente e fornece informações sobre particularidades como status de conservação e causas responsáveis por sua diminuição ou seu desaparecimento. Tratase, explica o docente, de um mapeamento abrangente, que destaca as principais ameaças enfrentadas em cada região, sinalizando as áreas onde os riscos são mais preocupantes. Para além de anunciar a extinção oficial de quatro espécies desde 2004 — duas da Guatemala, uma da Costa Rica e uma da Austrália —, o levantamento registra 27 anfíbios como possivelmente extintos e 189 animais com algum grau de ameaça de extinção.

O artigo, analisa o biólogo, mostra que a associação entre destruição de habitats, doenças e eventos climáticos extremos e atípicos tem provocado consequências ainda mais severas e difíceis de reverter. Nesse sentido, serve de alerta para antecipar um cenário que, se não for contido em pouco tempo, deve acentuar o desaparecimento dos anfíbios em todo o globo terrestre. O objetivo da publicação é fornecer subsídios para que governos e organizações criem ações e políticas voltadas para a preservação de espécies e para o controle e a reversão de sua diminuição.

“Anfíbios raramente são incluídos em estratégias de conservação e conscientização, embora sejam essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas e para a vida humana”, lembra Toledo. Além de controlarem populações de peixes e insetos vetores de doenças, eles evitam a disseminação de pragas na agricultura e fornecem substâncias para o desenvolvimento de medicações. “Na Serra do Cipó, foi relatado um declínio populacional de um sapo que produz uma secreção na pele (a epipedobatina) que poderia ser utilizada para fabricar remédios muito mais eficientes do que a morfina, por exemplo. Ainda não está sendo usada, mas é uma potencialidade a ser explorada. Este é um exemplo claro de que estamos perdendo populações de uma espécie com características farmacológicas interessantes.”

O professor e biólogo Felipe Toledo, que assina o relatório com outros 122 cientistas: anfíbios são mais vulneráveis às adversidades
O professor e biólogo Felipe Toledo, que assina o relatório com outros 122 cientistas: anfíbios são mais vulneráveis às adversidades

Novas espécies

Um dos principais especialistas mundiais no estudo dos anfíbios (em especial dos anuros, isto é, sapos, pererecas e rãs) da atualidade, Toledo participou da descoberta e descrição de 20 espécies do Brasil, a maioria endêmica da Mata Atlântica, região que concentra a maior variedade de anfíbios do planeta e abriga 58% das espécies do país. Atualmente, o professor trabalha na descrição de três espécies novas de sapos, dois nativos do Estado de São Paulo e outro do Espírito Santo. “No Brasil, a cada mês, ao menos um novo anfíbio é descrito em média. Somos um dos países que lideram neste campo”, afirma. De outro lado, dois anfíbios foram incluídos na mais recente lista brasileira oficial de animais extintos. Aos criticamente ameaçados, potencialmente extintos, foram somados ao menos 15. “Muitos desses 15 podem já estar extintos”, completa o professor.

A evolução da tecnologia e dos estudos moleculares impulsionou a descrição de seres vivos neste século. Desde a primeira avaliação, lançada há 19 anos, 2.286 novas espécies foram descritas na África, na América, na Ásia e na Europa. Embora facilite a identificação, o exame das características morfológicas, do DNA e do canto dos sapos, por exemplo, não garante seu crescimento absoluto. Desde 2004, no mundo todo, a parcela de animais pouco conhecidos diminuiu de 22% para 11%. No mesmo período, o número de ameaçados cresceu quase 1%. “Só no Brasil, foram listadas 169 populações, de 106 espécies, que sofreram declínio. Temos um caso, encontrado em museu, que foi coletado há mais de cem anos em um ambiente que não existe mais”, contabiliza o biólogo.

Vulnerabilidade

Toledo explica que a pele exposta e o ciclo de vida dos anfíbios os tornam mais vulneráveis às adversidades, quando comparados aos demais vertebrados. Enquanto répteis possuem escamas, aves têm penas, e mamíferos, pelos, a pele dos anfíbios é mais exposta e sofre mais com as alterações climáticas e com os contaminantes ambientais. “Basta o sapo pular em um produto químico para que a substância entre diretamente em sua corrente sanguínea.”

Por se desenvolverem ora dentro d’água, ora fora dela — o que é conhecido como ciclo de vida bifásico —, boa parte desses animais são mais afetados quando seus habitats sofrem transformações. “Se a água onde vivem for comprometida, os girinos não sobrevivem. Se destruírem a floresta no entorno dos corpos d’água, quem morre são os sapos, rãs e pererecas. Isto é, qualquer parte do ambiente deteriorada compromete sua existência”, descreve Toledo.

Pesquisador da doença mais letal entre os anuros — a quitridiomicose, causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis (ou simplesmente Bd) —, o biólogo tem se dedicado a examinar a relação entre surtos epidêmicos registrados recentemente e episódios de estiagem severa e prolongada, que ocorreram no bioma brasileiro. “Há cerca de cinco anos, na Serra do Japi [Jundiaí], houve um período de seca intensa, quando observamos uma grande quantidade de animais mortos. Não porque o lugar estava seco, mas devido ao impacto causado pela secura no fungo Bd. Notamos que os animais, que até então viviam bem com quitridiomicose, com o clima atípico, não resistiram. O aquecimento global afeta, de alguma forma, o comportamento dos anfíbios e seu sistema imune. A mesma coisa está acontecendo, agora, no Rio Grande do Sul.”

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