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Tese demonstra papel de sistemas fluviais distributivos na formação de paleossolos

O delta do Rio Okavango, em Botsuana, visto do espaço: alta capacidade de preservação em bacias sedimentares
O delta do Rio Okavango, em Botsuana, visto do espaço: alta capacidade de preservação em bacias sedimentares

A tese “Distribuição de Sedimentos e Paleossolos em Antigos Sistemas Fluviais Distributivos: proxies para Interpretações Paleoambientais e Estratigráficas”, defendida por Marcus Vinícius Theodoro Soares e orientada por Giorgio Basilici no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp venceu o Prêmio Capes de Teses de 2023 na categoria de Geociências. O estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), trata de dois temas emergentes em geologia sedimentar: paleossolos e sistemas fluviais distributivos. A pesquisa foi, também, uma das vencedoras da primeira edição do Prêmio Tese Destaque Unicamp, na área Ciências Exatas e da Terra, divulgado em maio de 2023.

Segundo Soares, o conceito de sistema fluvial distributivo, que tem ganhado destaque na última década, refere-se a rios com alta capacidade de preservação em bacias sedimentares, localizadas em diversos contextos climáticos, como é caso dos rios Okavango, em Botsuana, e Taquari, no Mato Grosso do Sul. “O sistema fluvial, ao adentrar a depressão topográfica da bacia sedimentar, torna-se lateralmente desconfinado, permitindo que o canal mude de posição radialmente ao longo do tempo, culminando na construção de um corpo sedimentar em forma de leque. Nesse contexto, durante períodos em que não ocorre a deposição de sedimentos, solos são formados a partir das camadas sedimentares. Eventualmente, tais solos são soterrados por novos episódios de deposição fluvial, sendo preservados como paleossolos e incorporados ao registro estratigráfico dos sistemas fluviais distributivos”, sintetiza o pesquisador.

A tese analisa um antigo sistema fluvial distributivo surgido durante o período Cretáceo (há cerca de 100 milhões de anos) na região nordeste da Bacia Bauru, atual Triângulo Mineiro. Seu orientador já havia trabalhado naquela bacia, que apresenta uma grande compatibilidade com um modelo distributivo. “Nos afloramentos da região que fica entre Uberaba e Uberlândia, em cortes de estradas ou em pedreiras abandonadas com 20 a 30 metros de espessura, há várias camadas de rochas em que são observadas alternâncias entre sedimentos e paleossolos”, explica Soares. Da análise dos paleossolos é possível inferir qual era o clima da região e fazer estimativas sobre a precipitação e a temperatura média anual. São consideradas três características registradas nesse tipo de solo: as feições macromorfológicas, observadas na própria rocha ainda no afloramento, como cor e estrutura; a composição e organização dos grãos identificados em uma escala microscópica, que fornecem informações paleoambientais como temperatura, precipitação, relevo (topografia); e a análise geoquímica desse paleossolo. Soares estudou a relação entre as rochas sedimentares e os paleossolos com o objetivo de reconstruir o clima, a paisagem, a dinâmica dos canais e a formação dos solos da região nordeste da Bacia Bauru.

A pesquisa resultou em cinco artigos, dos quais quatro já estão publicados. O primeiro analisa como o clima controlava a organização dessas rochas e desses paleossolos. O segundo aborda como esses solos se espalham na superfície do sistema fluvial distributivo, desde a montante (início do rio) até a jusante (foz). O terceiro artigo foi dedicado à descrição e ao mapeamento detalhados das rochas sedimentares e dos paleossolos no sistema fluvial para propor a Formação Serra da Galga como nova unidade estratigráfica para a Bacia Bauru. No quarto artigo, avaliou-se o sistema fluvial distributivo como potencial reservatório de petróleo.

Para compor sua tese, o agora doutor realizou uma fase inicial de atividade de campo a fim de descobrir os afloramentos. Em um segundo momento, foi a campo para coletar amostras e descrever as características dos paleossolos analisados. “Para cada afloramento, havia uma exigência de cinco a sete dias de trabalho. Coletei amostras para fazer a análise geoquímica e microscópica”, explica. Uma etapa importante consistiu no mapeamento geológico realizado em um período de dez dias, em que percorreu uma área de cerca de 450 km quadrados localizada entre Uberaba e Uberlândia.

Marcus Vinícius Theodoro Soares, autor da tese: reconstituindo o clima, a paisagem e a formação dos solos da região nordeste da Bacia Bauru
Marcus Vinícius Theodoro Soares, autor da tese: reconstituindo o clima, a paisagem e a formação dos solos da região nordeste da Bacia Bauru

Prêmio

Soares já havia sido premiado na primeira edição do Prêmio Tese Destaque Unicamp. Ele ganhou na área de ciências exatas, concorrendo com físicos, químicos, matemáticos, entre outros. O pesquisador acredita que venceu o Prêmio Capes de Teses de 2023 em sua categoria pela relevância do tema, atualmente em alta nas geociências – a combinação do estudo de paleossolos com sistemas fluviais distributivos em um só trabalho. O número de artigos publicados também pode ter contribuído. “O número de artigos foi acima da média esperada e os critérios da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] consideravam o número de publicações, o impacto dessas publicações e a relevância do tema”, explica o estudioso.

Para o pesquisador, “receber o prêmio é um grande reconhecimento. Obter o feedback de uma instituição importante permite entender que o trabalho possui relevância em escala nacional, trazendo mais destaque, credibilidade e contribuindo para a continuidade das pesquisas”. A tese foi elaborada durante a pandemia de covid-19 e o reconhecimento desse esforço ganhou uma dimensão maior. Esse tipo de pesquisa não se resolve apenas com uma revisão da literatura – é necessário ir a campo. Isso deixa ainda mais claro o grau de dificuldade envolvido na elaboração da tese. “Foi um período bastante difícil, no qual fiquei mais centrado nos estudos em casa. Nesse cenário, o IG montou, em certo momento, um conselho para organizar a utilização dos laboratórios. Foi por meio dessas brechas de alternância entre pesquisadores e estudantes que consegui utilizar o laboratório”, ressalta.

O momento da escrita também se mostrou um ponto importante e contou com o apoio generoso de seu orientador, que recebe pela segunda vez o Prêmio Capes de Tese. “Meu conselho aos estudantes de pós-graduação é utilizar o tempo do doutorado para desenvolver melhor a capacidade de escrita porque, por mais que tenhamos uma boa ideia e bons dados, há que passar o resultado das pesquisas para o papel, da forma mais clara possível e em um formato muito específico, que é o artigo”, diz. A esse respeito, a atuação de Basilici revelou-se de grande importância. “Ele realizou um curso de escrita científica no qual esteve muito presente, fazendo a leitura crítica dos artigos, dando conselhos e repassando tudo o que sabia”, relata. “Temos métodos muito bons para repassar a parte técnica do ensino, como entender sedimentologia, pedologia, paleopedologia, mas talvez não se dê muita atenção à passagem do conhecimento técnico sobre a escrita. Isso é algo que se costuma ignorar e esse foi um esforço muito bem-sucedido realizado pelo professor Giorgio e que facilitou a elaboração da tese”, reforça.

Soares agora segue como pós-doutorando no Centro de Estudos de Energia e Petróleo (Cepetro), tendo como orientador Alexandre Campane Vidal, também do IG. Ele vem estudando as rochas do pré-sal, além de estar criando um modelo geológico para as rochas carbonáticas da Formação Barra Velha da Bacia de Santos, litoral de São Paulo. Finalizado o pós-doutorado, o cientista pretende procurar oportunidades de trabalho em universidades públicas para continuar fazendo pesquisa e para dar aula.

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