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Antropólogo reconstitui 15 expedições realizadas na região ao longo dos séculos XIX e XX

Theodor Koch-Grünberg com indígenas em Roraima, no início do século XX
Cena de “O abraço da serpente”, filme baseado em trechos de diário de viagem do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg

A obra Ascensão e declínio da etnologia alemã (1884- 1950), escrita pelo antropólogo social Erik Petschelies, resgata a trajetória de seis etnólogos alemães envolvidos em 15 expedições realizadas na região amazônica ao longo dos séculos XIX e XX. O autor reconstitui os passos de Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich, Theodor Koch-Grünberg, Max Schmidt, Wilhelm Kissenberth e Fritz Krause.

Petschelies examina a produção científica e as concepções filosóficas dos pesquisadores, em meio a um contexto histórico marcado por duas guerras mundiais e pelo declínio da produção cultural e intelectual alemã, decorrente da ascensão dos ideais nazistas. A obra constrói um mapa da etnologia alemã, desde sua origem até seu declínio, como mencionado no título da obra. Leia, a seguir, a entrevista com o autor do livro.

Jornal da Unicamp – Quais foram os principais desafios enfrentados durante a pesquisa que resultou nesse livro?

Erik Petschelies – Os maiores desafios dizem respeito às fontes primárias, isto é, cartas, manuscritos, diários de campo, fotografias e documentos analisados para a reconstituição do campo etnológico alemão na virada do século XIX para o XX. Em primeiro lugar, foi preciso localizar essa documentação com exatidão, pois, com exceção do espólio de Theodor Koch-Grünberg (1872- 1924), localizado no arquivo da Philipps-Universität Marburg, na Alemanha, o material está disperso em arquivos, museus e universidades pelo mundo.

Em um segundo momento, o trabalho de pesquisa documental mostrou-se bastante extenuante, dado que se trata, frequentemente, de conjuntos documentais imensos, nem sempre bem catalogados. A terceira dificuldade concerne ao trabalho analítico, uma vez que eu trabalhei com milhares de cartas, centenas de fotos e vários diários de campo. Catalogar, ordenar, analisar e compreender um volume tão grande de dados provenientes de fontes primárias foi, ao mesmo tempo, o centro da pesquisa e, também, sua maior dificuldade.

JU – De que modo os eventos históricos do século XX influenciaram na recepção das obras de Karl von den Steinen e de outros intelectuais alemães no Brasil?

Erik Petschelies – Até o início do século XX, o alemão era a língua dominante no mundo científico. Havia, evidentemente, uma grande produção científica em francês e inglês. No entanto, o maior volume era produzido em alemão e muitos dos cientistas mais relevantes eram falantes dessa língua. Isso se refletiu também na recepção dos escritos de Karl von den Steinen (1855-1929) no Brasil. Historiadores importantes, como Capistrano de Abreu (1853-1927) e Teodoro Sampaio (1855-1937), leram sua obra e foram influenciados por ela.

Porém, com a emergência da Primeira Guerra Mundial, floresceu um sentimento antigermânico na Europa e nas Américas. Cientistas como Hermann von Ihering (1850- 1930) e etnólogos como Curt Nimuendajú (1883-1945) relataram como o clima antigermânico no Brasil tornou-se um obstáculo para sua produção intelectual.

JU – Por que motivo houve um crescente interesse nacional, nas últimas décadas, pela etnografia indígena estudada pelos alemães?

Erik Petschelies – Embora aos poucos a etnologia indígena de língua alemã tenha deixado de ser central para os estudos ameríndios, ela nunca deixou de ter importância pontual. Mesmo ao longo do século XX, pesquisas sobre populações indígenas do Xingu não prescindiram das monografias de Karl von den Steinen, e estudos sobre os ameríndios dos Rios Negro e Branco não ignoraram a obra de Koch-Grünberg. A revalorização das obras dos americanistas alemães se deve tanto a alterações no campo da antropologia como a um interesse crescente por etnólogos, indianistas e museólogos no Brasil.

Assim, desde as pesquisas pioneiras de George Stocking Jr., Adam Kuper e James Clifford sobre a história e a historiografia da antropologia, a disciplina vem sendo reanalisada em muitos contextos, inclusive o brasileiro. As monografias alemãs ligadas à cultura material e a coleções etnográficas – uma vez que tratam extensivamente desses temas – também vêm despertando a atenção de especialistas indígenas e não indígenas.

JU – Como o senhor enxerga a atuação desses estudiosos alemães na preservação cultural e étnica dos povos originários que vivem na região amazônica?

Erik Petschelies – O trabalho de campo realizado pelos alemães revela algumas questões fundamentais para a etnografia. Em primeiro lugar, que não há estudo de campo com neutralidade política. Todas as pesquisas foram transpassadas por questões políticas macroestruturais ou microfísicas. Em segundo lugar, que as assimetrias de poder são mais complexas e difusas do que o pressuposto (pós-moderno) de que o etnólogo é o polo do qual emana o poder. Mas isso implica que houve ambiguidades relevantes decorrentes dos trabalhos de campo.

Karl von den Steinen já no final do século XIX denunciou as violências cometidas contra populações indígenas no Brasil. Koch-Grünberg tinha como ideal político combater o preconceito dos alemães contra populações não europeias e, em seus escritos, há inúmeras delações sobre as violências cometidas contra os povos amazônicos. No entanto, em consequência das doenças introduzidas no Xingu a partir da aliança dos Kurâ-Bakairi com componentes da sociedade nacional, esses pesquisaores foram obrigados a se retirar do complexo xinguano. Apesar disso, o que permanece das obras dos alemães é um testemunho vasto, detalhado e incrivelmente rico sobre as populações indígenas, suas culturas espirituais e materiais e o complexo de relações em que se inseriam, que é tanto testemunho histórico como fonte etnográfica.


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Título: Ascensão e declínio da etnologia alemã (1884-1950)

Autor: Erik Petschelies

Edição: 1ª Ano: 2022

Páginas: 624

Dimensões: 16 cm x 23 cm

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