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Coletânea apresenta ao público internacional o pensamento da Escola da Unicamp

Celso Furtado (em pé) durante reunião da Cepal, em Quito, Equador, em 1954: entidade inspirou Escola de Campinas
Celso Furtado (em pé) durante reunião da Cepal, em Quito, Equador, em 1954: entidade inspirou Escola de Campinas

Uma corrente de pensamento original, forjada na Unicamp a partir dos anos 1970, ganha sua primeira coletânea completa. A publicação Campinas School of Political Economy (Escola de Economia Política de Campinas) reúne textos representativos de sua evolução, escritos por professores e pesquisadores ao lon- go de mais de cinco décadas. Com um volume dedicado à economia brasileira e outro à teoria econômica e economia política internacional, a obra revela o ineditismo de conceitos que tiveram repercussão internacional limitada devido à barreira linguística. Dialogando com as perspectivas marxista, decolonial e cepalina, esta oriunda da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), seu legado contribui para discussões sobre o desenvolvimen- to das economias periféricas.

A coletânea é fruto de uma iniciativa da direção do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, buscando a um só tempo compilar os textos representativos e divulgar as ideias da Escola de Campinas (ou Escola da Unicamp) no exterior. Daí a decisão de lançá-la em língua inglesa e formato digital, gratuitamente. “Como os conteúdos mais antigos só haviam sido publicados em português, sua circulação internacional ainda é muito restrita. Contudo, quem tem contato com a nossa produção percebe o seu pioneirismo”, pontua André Biancarelli, professor do IE e coordenador do projeto.

A Escola de Campinas é resultado de um projeto intelectual inspirado na Cepal, entidade criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na primeira metade do século 20 com a finalidade de colaborar tecnicamente com o desenvolvimento econômico dos países da região. A instituição, que teve como principais expoentes o argentino Raúl Prebisch e o brasileiro Celso Furtado, foi responsável pela realização de pesquisas basilares sobre os entraves ao crescimento latino-americano e se tornou conhecida pela criação de uma interpretação própria, estruturalista, para as formações e os desafios dessas economias.

Cada volume foi editado por uma dupla de docentes do IE, escolhida devido a seu envolvimento com o estudo dos temas abordados. A seleção e a organização do material presente no primeiro livro, dedicado a questões teóricas, ficaram a cargo de Alex Palludeto e Mariano Laplane. Pedro Paulo Bastos e Denis Gimenez cuidaram do segundo volume, voltado para o desenvolvimento da economia capitalista brasileira. Abrem os dois exemplares textos primordiais da Escola de Campinas produzidos por sua primeira geração de professores e formandos de pós-graduação, como João Manuel Cardoso de Mello, Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, Wilson Cano e Carlos Lessa. Os dois exemplares vão seguindo, então, a ordem cronológica e encerram-se com artigos contemporâneos, dedicados a questões atuais.

André Biancarelli: textos dialogam com outras correntes
André Biancarelli: textos dialogam com outras correntes

A triagem levou em conta a relevância de cada texto na época em que foi originalmente publicado e sua importância nos dias atuais, sobretudo para os programas de graduação e pós-graduação brasileiros. “Esses são artigos e capítulos de livros representativos da evolução do pensamento produzido aqui. Dentro do horizonte da pós-graduação no país, o mestrado e o doutorado em economia e desenvolvimento econômico da Unicamp mostram-se peculiares, procurados e valorizados por sua abordagem. Ao mesmo tempo em que são originais, esses textos proporcionam diálogos com outras correntes”, diz Biancarelli.

O volume teórico carrega as marcas principais da Escola de Campinas, reconhecida por adotar uma abordagem heterodoxa (crítica à concepção liberal e neoliberal de mercado) e por destacar como pensadores essenciais Karl Marx, John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter, além de seus desdobramentos mais recentes. “Forjou-se na Unicamp um pensamento que não era uma simples replicação das obras desses autores fundamentais, nem de correntes pré-existentes. Mas, sim, algo novo, que se traduziu em elementos conceituais e categorias analíticas e que passou a ser utilizado em trabalhos subsequentes para examinar questões como a posição de uma economia periférica”, explica Palludeto.

O segundo volume priorizou textos que avaliam a economia brasileira desde os tempos coloniais, ao mesmo tempo que apresenta novidades do ponto de vista conceitual. “Isso com o intuito de criar uma estrutura analítica de interpretação sobre as economias periféricas capitalistas, que pode servir para avaliar a mudança da economia brasileira no tempo e para compará-la com outras economias, sobretudo as periféricas”, esclarece Bastos.

Pedro Paulo Bastos: economias periféricas no centro do debate

Pioneirismo

A publicação em inglês é considerada estratégica pelos docentes não apenas por facilitar a propagação das ideias, como também por permitir o estabelecimento de uma linha do tempo mais completa e fidedigna do desenvolvimento do pensamento econômico mundial, revelando o ineditismo de algumas formulações. As discussões sobre financeirização e sobre hierarquia de moedas são os casos mais expressivos em que a Escola de Campinas se antecipou ao restante do mundo, de acordo com os docentes. “Esses temas foram adotados pela literatura internacional como se fossem algo novo, mas já estavam sendo discutidos aqui havia muito tempo. Esperamos que, com a publicação, fiquem mais claras as contribuições inovadoras que estavam sendo feitas na Unicamp”, observa o editor do volume teórico.

A análise sobre a financeirização aparece na Escola de Campinas pela primeira vez em 1971 e ganhou corpo a partir dos anos 1980, quando o professor José Carlos de Souza Braga investigou a ligação entre as valorizações e desvalorizações da riqueza e as decisões sobre gastos. “Ele observou como as relações macroeconômicas que já estavam estabelecidas alteraram-se a partir de fenômenos então novos, como a financeirização, cerca de 30 anos antes de essa discussão ser abordada internacionalmente. Para entender a sua pertinência, basta lembrar a crise de 2008, ou seja, como a ascensão e o declínio dos preços de imóveis estavam condicionando as formas como famílias norte-ameri- canas gastavam”, cita Palludeto.

Embora a natureza hierárquica do sistema monetário internacional e seu impacto no crescimento e desenvolvimento do Brasil já viessem sendo investigados no IE desde a década de 1990, essas assimetrias monetárias somente começaram a ganhar espaço na literatura mundial a partir de 2010. Trata-se de uma produção inovadora, além de pioneira, por combinar leituras de Marx e Keynes – prática rara na academia. “A leitura combinada de autores ocorre desde a fundação do IE, com o objetivo de identificar de que maneira um enriquece o outro. Não estamos falando de uma simples junção de diferentes blocos de pensamento, mas da realização de uma síntese particular a partir deles, uma síntese inédita”, afirma Palludeto.

Alex Palludeto: elementos conceituais e categorias analíticas
Alex Palludeto: elementos conceituais e categorias analíticas

Decolonizar

O segundo volume percorre a história econômica do Brasil desde o período colonial. Após abrir com os textos fundadores da Escola de Campinas, seus capítulos avançam por discussões teóricas originais, trazendo análises sobre as novas situações que vão se desenhando. Para tanto, utilizam-se conceitos vindos das tradições marxista e keynesiana e que, com o passar do tempo, vão sendo reformulados, ressalta Bastos. “Para dar conta dos novos problemas, que serão objeto de reflexão, novos conceitos vão sendo agregados, com o objetivo de entender a economia brasileira para, eventualmente, inspirar políticas públicas que caminhem em direção à justiça social e ao desenvolvimento econômico”, diz o docente.

O trabalho de edição do segundo volume, conta Bastos, priorizou textos que servissem como uma boa interpretação do Brasil em diferentes períodos e que também produzissem discussões sobre conceitos necessários para explicar a economia brasileira. “Segundo a Escola de Campinas, historicizar a trajetória de um desenvolvimento, que é sempre específica, é muito importante. Esse esforço serve para desnaturalizar o que parece natural em uma economia capitalista, buscando sua origem a fim de mostrar que não se trata de uma realidade à qual a humanidade precisa se submeter, mas de um produto histórico que pode ser objeto de ação social e política. Um produto que, portanto, pode ser alterado.”

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