Conteúdo principal Menu principal Rodapé
Factual

Cientistas pedem revogação de programa de repatriação de talentos

Professores e pesquisadora da Unicamp citam equívocos em iniciativa do governo federal para repatriar pesquisadores

Professores e pesquisadora da Unicamp apontam uma série de equívocos e pedem a revogação do Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil – instituído pelo governo federal em abril de 2024 com o intuito de trazer cientistas brasileiros que atuam no exterior de volta ao país. O programa, com duração de cinco anos, vai exigir investimentos de cerca de R$ 1 bilhão em bolsas e subsídios. Para os autores, a iniciativa agrava os já elevados índices de desemprego verificados entre os doutores formados pelas universidades brasileiras, não garante futuro para os repatriados e trata de forma desigual os dois grupos de profissionais.

Para Thais Guedes, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, o programa não apenas ignora jovens cientistas brasileiros que estão desempregados, como também não oferece qualquer segurança aos repatriados, que voltariam ao país amparados por bolsas com períodos definidos de validade. “Os daqui continuam desempregados e os que vêm de fora recebem uma bolsa por cinco anos, sem nenhuma garantia de emprego depois disso, ou seja, não existe um plano consistente de crescimento da ciência para o futuro”, avalia a pesquisadora. “Isso não resolve os problemas da ciência no Brasil, ainda mais se pensarmos numa ciência forte, robusta, com planejamento estratégico, de longo prazo. É uma tentativa de tapar o sol com a peneira”, resume.

Pesquisadora Thaís Guedes, signatária da carta: “Isso não resolve os problemas da ciência no Brasil, ainda mais se pensarmos numa ciência forte, robusta, com planejamento estratégico, de longo prazo." (Foto: Antoninho Perri)
Pesquisadora Thaís Guedes, signatária da carta: “Isso não resolve os problemas da ciência no Brasil, ainda mais se pensarmos numa ciência forte, robusta, com planejamento estratégico, de longo prazo.”

O professor do IB Martin Pareja também defende a suspensão do plano. “O Programa não traz consigo um pensamento estratégico e, por isso, não faz sentido. Precisaria ser mais abrangente; um plano que pense a ciência de forma estratégica”, afirma. O docente afirma que a iniciativa parte de uma visão equivocada. “A impressão que ficou é que os cientistas que estão fora do país são melhores que os que estão aqui. Esse plano é mais que ofensivo: é um insulto aos que estão aqui.”

Os professores lembram que o programa não leva em conta o principal problema: o grande número de desempregados entre os doutores residentes no Brasil. Segundo os pesquisadores, as universidades formam cerca de 22 mil doutores por ano, mas apenas metade deles é absorvida pela academia ou pela indústria. “A gente vê que as universidades não têm capacidade para absorver todos os doutores formados e existe um distanciamento histórico entre a academia e as empresas. Menos de 10% dos doutores formados estão na iniciativa privada”, lembram os professores, em uma carta aberta publicada esta semana na revista Science.

Institutos de pesquisa

Mathias Pires, outro professor do IB, lembra que a maior parte da pesquisa científica desenvolvida no país se dá nas universidades. “Com exceção das áreas mais aplicadas, como as engenharias e as das áreas farmacêuticas – e mesmo estas não priorizam os doutores e procuram soluções dentro da própria empresa –, o fato é que temos um déficit muito grande de institutos de pesquisa no Brasil”, argumenta. “Nós temos um excedente de pessoas altamente qualificadas que não estão empregadas no Brasil e há pouquíssimas vagas nos institutos de pesquisa. O que se está fazendo com esse plano é criar mais um fator complicador no problema. Estamos trazendo esse pessoal que está lá fora com uma bolsa temporária e, depois de terminado esse período, estarão ao ‘deus-dará’ de novo.”

Os professores avaliam que a iniciativa deveria ser revista, com prioridade para a adoção de uma política voltada para a redução nos índices de desemprego. Segundo o grupo, esse objetivo poderia ser alcançado por meio da expansão de vagas docentes nas universidades e da ampliação no número de institutos de pesquisa. Os professores defendem, porém, que o país replique a política adotada em São Paulo, onde uma lei estadual determina que 1% da receita tributária do Estado seja reservada para a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo os professores, o governo brasileiro deveria reservar para a ciência o equivalente a 2% da receita tributária nacional.

Ir para o topo