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Equilíbrio

José Mario Martinez: "O 'princípio básico do equilíbrio' estabelece que, em um ambiente no qual atores tomam decisões, resulta da decisão individual de cada ator, decisão essa tomada com o objetivo de otimizar uma função que podemos chamar de bem-estar individual"

O autor de um livro publicado na Argentina, cujo nome não lamento ter esquecido, começa evocando uma cena de Uma Mente Brilhante, o filme sobre a vida de John Nash, grande nome da teoria de jogos.

Nessa cena, Nash descobre: “Adam Smith estava errado!”, e explica que o fato de todas as pessoas fazerem o melhor possível para si mesmos não tem por resultado o bem-estar geral, mas sim, às vezes, o contrário.

Se dois cachorros encontram simultaneamente meio quilo de picanha, o mais provável é que entrem em uma briga na qual os dois ficarão feridos e o vencedor, se existir, pode até ficar sem condições de mastigar. De fato, se um dos cachorros adotasse uma atitude pacífica, o mais conveniente para o outro seria ser agressivo e, dessa maneira, ficar sozinho desfrutando do suculento troféu.  Por outro lado, se um dos cachorros se mostrar agressivo, o outro também deverá reagir da mesma maneira, para não ficar sem nada. Como consequência, a conduta mais racional ­­– ficar com 250 gramas cada um – está fora de questão.  Os dois agirão de maneira egoísta e os dois perderão. Trata-se de um caso banal de equilíbrio perverso.

O livro citado no começo deste texto sugere que há uma conspiração explicando por que essa verdade não é ensinada nas escolas de economia dos cinco continentes. Trata-se, obviamente, de uma bobagem, pois os ambientes acadêmicos têm mecanismos compensatórios que toleram praticamente qualquer tipo de teoria disruptiva.

O “princípio básico do equilíbrio” estabelece que, em um ambiente no qual atores tomam decisões, o que de fato acontece resulta da decisão individual de cada ator, decisão essa tomada com o objetivo de otimizar uma função que podemos chamar de bem-estar individual. Assim, cada decisão individual depende da decisão dos outros e, naturalmente, de condições objetivas dadas pelo ambiente.

Imaginemos uma situação com um único ator.  Nesse caso, não há “decisões dos outros” e o ator decidirá o melhor para seus objetivos individuais, melhorando, em princípio, seu próprio bem-estar sem ser atrapalhado. Para tomar a decisão, nosso ator resolverá um problema mais ou menos complexo.

Entretanto, na presença de outros atores, as decisões deles farão parte da formulação do problema que nosso ator solitário precisa resolver. E a mesma coisa acontecerá com os atores novos. Os “problemas de equilíbrio” que são estudados em algumas áreas da matemática consistem em determinar a conduta de cada um dos atores conhecendo suas funções de bem-estar individual e as condições ambientais vigentes.

Algumas situações da realidade admitem ser modeladas de maneira aceitável como problemas de equilíbrio cuja resolução tem utilidade prática. Em problemas de trânsito urbano, por exemplo, é sensato supor que cada veículo trafega desde sua origem até seu destino seguindo o caminho que lhe garante um tempo mínimo. Logo, para esse ator, maximizar o bem-estar significa minimizar o tempo. Entretanto, o tempo dispendido em percorrer um trajeto depende da quantidade de veículos fazendo percursos que envolvem uma parte do mesmo trajeto. A um número maior de veículos corresponde uma menor velocidade média e, portanto, mais tempo. Esse fato estimula cada motorista a escolher caminhos onde a densidade de trânsito seja menor. Porém, todos estão procedendo com o mesmo objetivo individual, o que gera um problema de equilíbrio de considerável complexidade. Resolver esse tipo de problema pode contribuir para a tomada de decisões institucionais, como mudanças do sentido obrigatório das ruas, trajeto de ônibus, determinação de vias preferenciais e assim por diante.

Infelizmente, na vida real, os “problemas de equilíbrio” raramente estão bem definidos: muitas vezes é impossível determinar as funções de bem-estar individual e as condições ambientais.  De fato, é mais comum que conheçamos o resultado do equilíbrio, ou seja, as condutas individuais, geralmente observáveis, mas que permaneça oculto o problema que cada ator teria resolvido para chegar a tais condutas. Alguns textos antigos de economia “elementaríssima” incluem exercícios nos quais uma empresa sabe quais são as curvas de oferta e de procura, dadas por determinadas fórmulas, e o aluno deve calcular a quantidade efetivamente negociada do bem em questão e seu preço. Esse problema não existe, pois na realidade a única coisa que sabemos sobre as curvas de oferta e procura é o ponto onde se encontram, já que, afinal de contas, alguma transação é feita e observada, mesmo que seja uma transação na qual nada se compra ou se venda.

Muitas palavras escondem um significado valorativo. Esse o caso de “equilíbrio”. Para todos os seres humanos, “equilíbrio” é melhor que “desequilíbrio”, o que faz com que se apropriar da palavra “equilíbrio” em uma discussão aumenta a probabilidade de vitória. Os debatedores que vestem a camisa do “equilíbrio”, entretanto, caem em uma contradição consigo mesmos, já que de acordo com o princípio equilibrista, como foi mencionado acima, tudo que acontece resulta de um problema de equilíbrio, de maneira que o “não-equilíbrio” não existe. Em outras palavras, por definição, não pode existir o adversário contrário ao equilíbrio, pois esse estaria violando uma lei natural. Seria apressado, entretanto, postular que debatedores equilibristas estão falando para ninguém, invocando uma tautologia a fim de induzir uma conduta. O que o equilibrista postula com pretensões universais é que os atores devem tomar decisões sem estar sujeitos a restrições externas (sobretudo regulações, normas ambientais, políticas compensatórias). Sejamos justos, em presença dessas restrições o chamado Equilíbrio seria difícil de calcular porque, matematicamente, otimizar com restrições é mais difícil que otimizar sem restrições. Enfim, uma mera questão de Cálculo.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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