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Empregos futuros

"Em princípio, o progresso tecnológico, ao eliminar a necessidade de trabalho humano para satisfazer as necessidades básicas, liberaria tempo para o descanso e permitiria que as pessoas se aposentassem mais jovens"

O conceito de “desemprego tecnológico” foi popularizado por John Maynard Keynes nos anos 30. O grande economista do século XX considerava, entretanto, que esse fenômeno seria sempre passageiro. Porém, na última década, a discussão sobre o tema tornou-se acirrada já que, segundo alguns especialistas, o progresso associado à inteligência artificial e à automação poderia eliminar quase a metade dos empregos nos Estados Unidos. Vários movimentos e organizações internacionais (por exemplo, The Zeitgeist Movement e The Venus Project) sugerem mudanças estruturais de alcance global. Sem negar a desaparição de empregos, apelam para a colaboração, o altruísmo e a relevância social, se opõem à compulsão pelo lucro e até conjeturam que o tempo livre tornará as pessoas mais criativas e felizes.

Nessa linha, observadores de planetas mais desenvolvidos acham estranho que esse problema preocupe os seres humanos. Em princípio, o progresso tecnológico, ao eliminar a necessidade de trabalho humano para satisfazer as necessidades básicas, liberaria tempo para o descanso e permitiria que as pessoas se aposentassem mais jovens. Os companheiros de outras galáxias se surpreendem com o fato de os humanos reagirem pregando reformas laborais e previdenciárias que vão justamente no sentido contrário.

O conceito de necessidades básicas é crucial. Os modelos progressistas do século passado acreditavam na planificação global de uma sociedade sob a condição fundamental da satisfação dessas necessidades. Uma vez superadas as urgências relativas à alimentação, moradia, educação, saúde e segurança, os seres humanos estariam liberados para atividades nobres e solidárias, nas quais o espírito se desenvolveria sem restrições materiais, e até haveria tempo para fazer ginástica. Nada funcionou porque as sociedades resistem a sustentar indivíduos que não trabalhem no sentido de satisfazer necessidades existentes. Isto é, o problema não é a satisfação das necessidades básicas, mas a criação de “necessidades não básicas” que justifiquem haver pessoas trabalhando para sua satisfação e recebendo salários em troca. De fato, cada vez há mais pessoas empregadas na produção de bens e serviços que, em princípio, não servem a ninguém, mas que a sociedade tem aceitado como necessários.

Grande parte dos seres humanos, observam os extraterrestres, trabalham desvinculados de qualquer necessidade verdadeira e, às vezes, o fazem prejudicando a vida dos outros

O método consiste em criar necessidades artificiais, encontrar aqueles que as podem satisfazer e convencer o resto de que não podem viver sem elas. Grande parte dos seres humanos, observam os extraterrestres, trabalham desvinculados de qualquer necessidade verdadeira e, às vezes, o fazem prejudicando a vida dos outros, além da própria, porque, afinal de contas, existem os que se convencem ser sensato trocar seus próprios bens e serviços por aqueles impulsionados pelas redes sociais, pela propaganda ou por qualquer um dos pecados capitais. Ninguém precisa de armas, nem de refrigerantes, nem de drogas, nem de fake news, nem de quase nada do que se consome cotidianamente. Portanto, os otimistas têm razão: se os velhos empregos são substituídos pela atividade robótica e a inteligência natural é substituída pela artificial, sempre aparecerão necessidades fictícias capazes de evitar, embora não totalmente, que os humanos mais obsoletos acabem descartados das maneiras mais cruéis.

Por exemplo, existe uma profissão bem estabelecida que podemos denominar “contagem de escanteios”. Funciona assim: como é sabido, há milhares de jogos de futebol que se transmitem a todas as partes do mundo diariamente. Os treinadores e os empresários de apostas precisam contabilizar inúmeros lances de jogos que, por enquanto, não podem ser captados de maneira automática. A contagem de escanteios não é o melhor exemplo, mas suponhamos que o seja. Há empresas que coletam esses dados, os sintetizam com ferramentas estatísticas e os vendem aos interessados em ganhar jogos ou em calcular probabilidades mais fidedignas de vitórias e derrotas. Tais empresas trabalham com milhares de observadores “uberizados” e disseminados em todos os países. Se são bem remunerados ou não, é outra questão. O caso, porém, é que existem, fazendo um uso moderado da tecnologia (o jogo na TV) e comunicando o número de passes bem-sucedidos efetuados pelo time que está na quinta posição da segunda divisão holandesa no quarto jogo do campeonato, assim como a contabilidade de outros lances da máxima importância. Os contadores de escanteios existem e estão entre nós. Sua existência real e a de seus empregadores chama a atenção sobre a forma com que muitos novos empregos são criados em virtude das substituições tecnológicas.

Será esse o futuro? Provavelmente, não. Como consequência da lógica que os alienígenas tanto criticam, as sociedades humanas têm progredido no sentido de destruir o meio ambiente e destruir seus vizinhos por meio de guerras e genocídios. Paradoxalmente, tais atividades se encontram entre as necessidades “não básicas” de grandes conjuntos humanos. Os empregos futuros estarão vinculados a uma nova necessidade básica: reconstruir o planeta.

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